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GF Platina
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Motorizadas Portuguesas: O Património sempre desprezado!
Estes motores propulsionaram um País!
Basta falarmos de Zundapp, Casal ou Sachs, para nos vir logo à ideia uma tasca e uma motorizada parada à porta, com um capacete Motassis pendurado num espelho retrovisor ferrugento.
Ou então, para recordarmos aquele ritual estranho nas bombas de combustível, onde o funcionário de mala à cintura dava à manivela num bidon estranho, que vomitava gasolina encarnada para dentro de um tubo transparente, enquanto uma motorizada esperava pacientemente com um condutor de mangas cavas e capacete empoleirado na cabeça, enquanto fumava um SG cravado ao pendura. (Sim, fumar nas bombas, era facultativo).
Em seguida, tanto na tasca como na bomba, um barulho ensurdecedor irrompia pelas imediações, acompanhado de um fumo azul, e perdurava até muito depois do veículo ter desaparecido no horizonte. Já tinham passado 10 minutos, e ainda podíamos ouvir a Sachs a evoluir alegremente pelo monte acima, lá ao fundo.
Isto tem um senão... estes veículos sempre foram conotados com proprietários de baixos recursos, que uma vez, eventualmente libertos do estigma de ter de andar com a família toda na motorizada, debaixo de chuva e de um oleado, jamais quiseram ouvir falar de tal engenho. O uso de motorizada como meio de locomoção básico, é um episódio para esquecer, agora que se encontram ao volante de um digno Citroên AX ou Opel Corsa.
Por outro lado, o entusiasta de veículos clássicos, como qualquer ser humano, tem tendência a idolatrar o que vem de fora. Nada mais natural. Muitos ingleses acham certos modelos de BSA e de Triumph "rubbish", e preferem modelos de outros países. Japonesas principalmente. Porque não querem voltar a ser conotados como protagonistas de tempos difíceis e de escassez.
Basicamente, o problema das motorizadas portuguesas, é que não conferem prestígio. A maioria prefere dirigir as suas atenções para motas estrangeiras dispendiosas, pois estas são consideradas símbolos de posição social. Ter uma BSA de mil contos, não chega se calhar para aparecer na revista "Caras", mas já dá para chamar uns Doutores e Engenheiros, para a conversa. Ou mesmo ser confundido com um. Uma Casal não.
Em Inglaterra, porém, acontece o inverso. Mergulhado que está o mercado em motos inglesas, é com satisfação que os entusiastas se amontoam em redor de algo "novo", e algo nunca visto. E mostram-nos que nós somos por vezes os maiores inimigos de nós próprios, não nos apercebendo do valor que temos em mãos.
Para restaurar uma scooter que trouxe para Inglaterra, tenho comigo um motor Zundapp, que diz orgulhosamente numa chapinha: "Fabricado em Portugal". Não queiram saber o burburinho! Coleccionadores a maçarem-me com perguntas acerca do fabrico de Zundapp em Portugal, acerca de modelos, e se ainda se pode adquirir algum. Tiram fotos com o telemóvel. Mostro-lhes fotos de motorizadas do Zé das Couves, e eles deitam as mãos à cabeça. Querem uma daquelas!
Temos de melhorar a nossa auto-estima, e perceber que também nós tivemos uma indústria competente e que motorizou massas, e que serviu na medida das possibilidades de um país de fracos recursos, uma vasta fatia da população. Isto em tempos em que não havia cá subsídios da CEE, nem computadores.
Estas motos de fabrico nacional deram de comer a muita gente. E em localidades com um autocarro de dia e outro à noite, eram a diferença entre poder ir para o trabalho com uma marmita cheia de batatas cozidas, ou não ir.
Estes veículos eram extremamente bem construídos, robustos, e à prova de bomba, sobrevivendo a todo o tipo de maus tratos, chuva, intempéries, gordos de 120 kg em cima, mudanças directas, má lubrificação, acidentes e despistes (pois as motas não carregam vinho) e desprezo generalizado. O que muitas destas motos sofreram, envergonharia um tanque T 34 em plena campanha de 1944.
Sem luzinhas ou apitos! Apenas o olhar focado num futuro melhor!
Temos de respeitar a nossa herança metalúrgica e industrial, fazendo o possível e o impossível para tentar salvar o máximo de modelos e unidades destas máquinas recheadas de História, de suor, de lágrimas e de luta. Não podemos entregar estes exemplos da nossa história recente, aos putos para partirem a fazer piões. Já parti algumas, infelizmente. Mea-culpa. Quem me dera que alguém me tivesse posto palavras sábias na altura e se calhar não tinha "malhado" tanto.
Autor: Mike Silva.
Estes motores propulsionaram um País!
Basta falarmos de Zundapp, Casal ou Sachs, para nos vir logo à ideia uma tasca e uma motorizada parada à porta, com um capacete Motassis pendurado num espelho retrovisor ferrugento.
Ou então, para recordarmos aquele ritual estranho nas bombas de combustível, onde o funcionário de mala à cintura dava à manivela num bidon estranho, que vomitava gasolina encarnada para dentro de um tubo transparente, enquanto uma motorizada esperava pacientemente com um condutor de mangas cavas e capacete empoleirado na cabeça, enquanto fumava um SG cravado ao pendura. (Sim, fumar nas bombas, era facultativo).
Em seguida, tanto na tasca como na bomba, um barulho ensurdecedor irrompia pelas imediações, acompanhado de um fumo azul, e perdurava até muito depois do veículo ter desaparecido no horizonte. Já tinham passado 10 minutos, e ainda podíamos ouvir a Sachs a evoluir alegremente pelo monte acima, lá ao fundo.
Isto tem um senão... estes veículos sempre foram conotados com proprietários de baixos recursos, que uma vez, eventualmente libertos do estigma de ter de andar com a família toda na motorizada, debaixo de chuva e de um oleado, jamais quiseram ouvir falar de tal engenho. O uso de motorizada como meio de locomoção básico, é um episódio para esquecer, agora que se encontram ao volante de um digno Citroên AX ou Opel Corsa.
Por outro lado, o entusiasta de veículos clássicos, como qualquer ser humano, tem tendência a idolatrar o que vem de fora. Nada mais natural. Muitos ingleses acham certos modelos de BSA e de Triumph "rubbish", e preferem modelos de outros países. Japonesas principalmente. Porque não querem voltar a ser conotados como protagonistas de tempos difíceis e de escassez.
Basicamente, o problema das motorizadas portuguesas, é que não conferem prestígio. A maioria prefere dirigir as suas atenções para motas estrangeiras dispendiosas, pois estas são consideradas símbolos de posição social. Ter uma BSA de mil contos, não chega se calhar para aparecer na revista "Caras", mas já dá para chamar uns Doutores e Engenheiros, para a conversa. Ou mesmo ser confundido com um. Uma Casal não.
Em Inglaterra, porém, acontece o inverso. Mergulhado que está o mercado em motos inglesas, é com satisfação que os entusiastas se amontoam em redor de algo "novo", e algo nunca visto. E mostram-nos que nós somos por vezes os maiores inimigos de nós próprios, não nos apercebendo do valor que temos em mãos.
Para restaurar uma scooter que trouxe para Inglaterra, tenho comigo um motor Zundapp, que diz orgulhosamente numa chapinha: "Fabricado em Portugal". Não queiram saber o burburinho! Coleccionadores a maçarem-me com perguntas acerca do fabrico de Zundapp em Portugal, acerca de modelos, e se ainda se pode adquirir algum. Tiram fotos com o telemóvel. Mostro-lhes fotos de motorizadas do Zé das Couves, e eles deitam as mãos à cabeça. Querem uma daquelas!
Temos de melhorar a nossa auto-estima, e perceber que também nós tivemos uma indústria competente e que motorizou massas, e que serviu na medida das possibilidades de um país de fracos recursos, uma vasta fatia da população. Isto em tempos em que não havia cá subsídios da CEE, nem computadores.
Estas motos de fabrico nacional deram de comer a muita gente. E em localidades com um autocarro de dia e outro à noite, eram a diferença entre poder ir para o trabalho com uma marmita cheia de batatas cozidas, ou não ir.
Estes veículos eram extremamente bem construídos, robustos, e à prova de bomba, sobrevivendo a todo o tipo de maus tratos, chuva, intempéries, gordos de 120 kg em cima, mudanças directas, má lubrificação, acidentes e despistes (pois as motas não carregam vinho) e desprezo generalizado. O que muitas destas motos sofreram, envergonharia um tanque T 34 em plena campanha de 1944.
Sem luzinhas ou apitos! Apenas o olhar focado num futuro melhor!
Temos de respeitar a nossa herança metalúrgica e industrial, fazendo o possível e o impossível para tentar salvar o máximo de modelos e unidades destas máquinas recheadas de História, de suor, de lágrimas e de luta. Não podemos entregar estes exemplos da nossa história recente, aos putos para partirem a fazer piões. Já parti algumas, infelizmente. Mea-culpa. Quem me dera que alguém me tivesse posto palavras sábias na altura e se calhar não tinha "malhado" tanto.
Autor: Mike Silva.
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