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Os mundos extraterrestres de Luís Calçada

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Os mundos extraterrestres de Luís Calçada

por joão lobato

O Universo, aos olhos de um astrónomo, pode ser reduzido a gráficos e tabelas que pecam pelo aborrecido e pelo complexo. Felizmente, e para socorrer o comum dos mortais, existem ilustradores, como o português Luís Calçada, cujo trabalho é o de recriar estrelas gigantes, planetas distantes e outros fenómenos para os quais ainda não existem imagens visíveis, dando-nos uma ideia aproximada, mas com precisão científica, dos estranhos mundos que rodeiam o nosso Sistema Solar.


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O planeta extra-solar Gliese 667 Cc, rodeado três estrelas do seu sistema solar. (© ESO / Luís Calçada).


Algumas das mais fantásticas imagens do Universo são obtidas através de enormes telescópios ópticos, como o Gran Telescopio Canarias, localizado no arquipélago das Canárias, ou o Very Large Telescope, no Chile, capazes de captar a luz visível de galáxias, nuvens de gás e poeira, estrelas e outros fenómenos que se situam lá ao longe, a muitos anos-luz do nosso Sistema Solar. Os telescópios espaciais, como o mítico Hubble, vieram empurrar o nosso imaginário até aos limites, com 'fotografias' do espaço profundo que ainda hoje são capazes de nos tirar o fôlego.

Contudo, e em grande parte dos casos, o que os astrónomos obtêm não são ‘imagens’ destinadas aos nossos olhos. Radiotelescópios, espectrógrafos de alta resolução e interferómetros são alguns dos instrumentos usados para captar o que de mais importante existe no Universo. Ou seja, temos um conjunto de informações que não resulta em nenhuma imagem limpa e distinguível. Tudo é obtido de forma indirecta, para depois ficar registado em complexos gráficos, diagramas e tabelas que apenas são discerníveis pelos especialistas.

Não admira, portanto, que muitas das ilustrações e animações que chegam até nós sejam recriações de fenómenos astronómicos dos quais não se obteve, ainda, uma imagem perceptível. O objectivo, muitas vezes, é somente o de captar a atenção das pessoas, mesmo os que pouco ou nada entendem de astronomia. “Este tipo de ilustrações é fundamental para levar o conhecimento científico ao público. Sem elas, jamais teríamos notícias de enorme importância nas capas dos jornais ou nas primeiras páginas de muitos sites noticiosos e blogues”, salienta o ilustrador português Luís Calçada, conhecido pelos inúmeros cenários extraterrestres que tem criado ao longo dos últimos anos, num esforço para divulgar a astronomia.

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A superfície do planeta anão Pluto poderá conter metano em estado puro. (© ESO / Luís Calçada).

Actualmente, o seu engenho e criatividade estão ao serviço do Observatório Europeu do Sul (ESO), uma das mais importantes organizações intergovernamentais de investigação astronómica. Quando uma pesquisa ou descoberta é anunciada pelo ESO, ou se tem uma imagem real a acompanhá-la (obtida por um telescópio óptico) ou é-se obrigado a recorrer a alguém que seja capaz de recriar o fenómeno, de modo a que se consiga ter uma boa ideia daquilo que foi detectado – daí que se tenha de chamar alguém como o Luís Calçada.

Os dados indirectos que costumam ser obtidos, além de aborrecidos, nada dizem ao público em geral, bastando olhar para os gráficos de um qualquer artigo científico para perceber logo isso. Todavia, eles podem dizer muita coisa sobre a distância, tamanho, forma, cor e temperatura de algo que foi detectado. “Com o auxílio dos astrónomos do ESO, tento então criar uma visão realista do que será o fenómeno em estudo.

Como será a superfície de um planeta? De que cor é a estrela que orbita? Que estrutura terão os gases que orbitam um buraco negro? Que largura terá o jacto da radiação emitida por ele? À medida que a ilustração ou a animação ganham forma, estas vão sendo partilhadas com os autores do artigo científico, que connosco discutem as suas ideias.” Por vezes, quando não se chega a um consenso, há que voltar à estaca zero e começar tudo de novo. Noutros casos, “quando existem muitos parâmetros que os cientistas desconhecem”, o artista tem alguma liberdade para criar os cenários, embora sempre respeitando as leis da física.

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Planeta extrassolar visto do seu satélite natural. (© ESO / Luís Calçada).

O resultado final é bastante elaborado e, muitas vezes, tem os ingredientes necessários para retirar um esgar de espanto a quem os visualiza. Acima de tudo, ficamos com a sensação de estar perante um cenário que, embora esteja vedado aos nossos olhos, tem tudo para ser real, embora não possamos sabê-lo com exactidão. É como se nos fosse dada a hipótese de sonhar com um pé bem colocado no chão, imaginando, ao mesmo tempo, que mil e uma coisas fantásticas podem estar a ocorrer nos locais que os nossos olhos contemplam.

Uma viagem por outros mundos

Mesmo que fosse construída uma nave espacial capaz de nos levar aos distantes cenários que são retratados, a probabilidade de os conseguirmos observar em segurança, com os nossos próprios olhos, é extremamente baixa, mais não seja porque estes ambientes extraterrestres estão longe de ser amigáveis à vida humana. Mas, se isso fosse possível, até onde iria Luís Calçada? “Se essa viagem imaginária estivesse munida de todos os dispositivos para manter o viajante vivo, penso que gostaria de visitar o gigante buraco negro que existe no centro da nossa galáxia e assistir enquanto este devora uma nuvem de gás que se está a precipitar na sua direcção”.

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© ESO / S. Gillessen / MPE / Marc Schartmann / Luís Calçada.

Dentro dos planos do ilustrador, igualmente, uma visita a Corot-7b, um planeta extrassolar com uma massa cinco vezes maior do que a da Terra e que, por estar tão próximo da sua estrela, tem a superfície coberta de lava, com temperaturas que rondam o 2 mil graus celsius. Este inferno surge no lado do planeta que está virado para o astro de gás incandescente, pois durante a noite (no lado oposto) a temperatura cai para os quase 200 graus negativos.

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© ESO / Luís Calçada.

Observar a magnífica explosão de uma supernova, tal como a que é recriada no vídeo em baixo, também faz parte do seu roteiro turístico pelo espaço. O problema é que o tamanho, a escala de violência e o tempo que costuma durar este género de acontecimentos tornam-nos pouco convidativos para se verem de perto. Para sermos rigorosos, é quase impossível (pelo menos fisicamente) sobreviver junto a tal detonação para depois contar o que se viu.

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© ESA / Hubble (Luís Calçada).

“Finalmente, no topo da minha lista de locais a visitar, está o planeta que orbita o sistema duplo de Alpha Centauri B”, confessa o autor. “Este planeta extra-solar é um dos mais interessantes que existem, pois é o mais próximo que está de nós, a apenas 4,3 anos-luz de distância, e tem uma massa parecida à da Terra.” Quando chegou a hora de dar uma imagem a este sistema, Luís Calçada imaginou-o tal como se vê a seguir. A título de curiosidade, o pequeno ponto brilhante que surge no campo superior direito é o nosso Sol.

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© ESO / Luís Calçada / Nick Risinger.

Desde que, em 1995, foi descoberto o primeiro planeta extra-solar, o 51 Pegasi b, as ilustrações em torno destes corpos planetários tornaram-se bastante habituais. No entanto, isso não significa que seja fácil recriá-los. “A dificuldade em ilustrar alguns deles, quando se tornam notícia, está, muitas vezes, não na complexidade técnica, mas sim na criatividade”, refere. “Até à data, uma grande percentagem dos planetas descobertos são gigantes gasosos, sem uma superfície sólida, pelo que torna-se difícil criar uma imagem que se distinga das centenas de outros planetas que já foram descobertos.” Apesar de tudo, os avanços obtidos, na detecção e estudo destes objectos astronómicos, já permite escrutinar corpos mais pequenos e parecidos com a Terra, abrindo portas para que se obtenham ilustrações “mais excitantes”, onde é possível retratar as suas superfícies rochosas, as atmosferas transparentes que as rodeiam, vestígios de água líquida e, quem sabe num futuro próximo, sinais de vida.

A culpa é do Carl Sagan

Nenhuma das obras do criativo português é obtida sem que entrem em cena três elementos que considera importantes: “um grande domínio técnico das ferramentas de edição, criatividade e, talvez o mais importante, o fascínio pela ciência, pela física e a astronomia”.

O fascínio, esse, brotou dos tempos da adolescência, quando tinha 15 anos, ao sentir-se atraído pela capa da edição portuguesa do livro Contacto, uma aventura de ficção científica escrita pelo astrónomo e divulgador da ciência Carl Sagan. “Na altura, quando peguei no livro, fiquei fascinado pela imagem da Terra que surgia na capa, parcialmente iluminada pelo Sol e em frente de uma proeminente galáxia.”

Com o passar dos anos, acabou por estudar física e matemática aplicada na universidade, de modo a aplicar estes conhecimentos no campo da astronomia – embora nunca tenha chegado a concretizar a ideia de se tornar num cientista. Ao mesmo tempo, conseguiu trabalho num planetário, o que lhe permitiu entrar em contacto com o público mais novo. “Foi assim que, lentamente e dada a necessidade de ilustrar conceitos complexos de um modo cativante e estético, comecei a explorar este campo: o de comunicar, visualmente, fenómenos e mecanismos da realidade física.”

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Na galáxia de NGC 7793, a 12 milhões de anos-luz da Terra, existe uma bolha de gás quente com mil anos-luz de largura (cor-de-laranja). A energia que é ejectada pelo buraco negro (à direita) tem estado a alimentá-la. (© ESO / Luís Calçada / M.Kornmesser).


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Planeta extrassolar Fomalhaut b a girar em torno da sua estrela, a 25 anos-luz da Terra. (© ESA / NASA / Luís Calçada).


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Imagem estilizada de uma galáxia distante, datada de dois mil milhões de anos depois do Big Bang, que está a puxar gás frio das redondezas para o seu interior. A acreção deste gás vai permitir que se formem mais estrelas no seu seio. (© ESO / Luís Calçada / ESA / AOES Medialab).


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Um enorme disco circunstelar rodeia uma estrela embrionária que é cinco vezes maior que o nosso Sol. Este objecto astronómico (do qual emana um jacto de matéria) encontra-se na constelação de Centauro, a dez mil anos-luz. (© ESO / Luís Calçada / M. Kornmesser).

Para os retratar, Luís Calçada recorre a um leque imprescindível de ferramentas. No que respeita aos elementos 3D, o destaque vai para o Cinema 4D, da Maxon; para as partes de composição e animação, a escolha recai no After Effects (com a sua parafernália de plugins), da Adobe; para as ilustrações, o incontornável Photoshop, também da Adobe, é a ferramenta que está sempre à mão; por fim, para criar as superfícies, paisagens e atmosferas, com todo o realismo que se quer, o Vue (da E-On) e o Terragen (da Planetside) são os eleitos. Eis, portanto, tudo o que é necessário para se moldar e recriar mundos extraterrestres, bem ao jeito de um qualquer deus criador da era digital.

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Um buraco negro massivo, na galáxia de NGC 300, dança de forma macabra com uma estrela, aproveitando para a canibalizar. (© Luís Calçada).

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Um dos planetas extrassolares que orbita a estrela Gliese 667, a qual, por sua vez, integra um sistema solar triplo. (© Luís Calçada).
 
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