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A gestação de substituição é permitida em Portugal
Acerca da nova Lei portuguesa n.[SUP]o[/SUP] 25/2016, de 22 de agosto
Antonio J. Vela Sánchez
Professor Titular de Direito Civil. Universidade Pablo de Olavide (Sevilha)
JusJornal, Editora Wolters Kluwer
JusNet 27/2018
A Lei nº. 25/2016, de 22 de agosto, regula o acordo da gestação de substituição no Direito português. Embora se trate de uma regulamentação escassa, contraditória em algum ponto e discriminatória no que respeita aos potenciais beneficiários do acordo da gestação de substituição, é muito plausível a determinação do legislador português ―em frente à passividade de espanhol― de contemplar esta instituição jurídica da qual poderão beneficiar, seguramente, os cidadãos espanhóis.
Os poucos que fazem são a inveja dos muitos que apenas a olham
Jim Rohn
I. INTRODUÇÃO
Em dois livros e em numerosos artigos (1) —a maior parte publicados na Revista jurídica espanhola La Ley (Diario La Ley)—, este autor defendeu que, para resolver legalmente problemas de infertilidade não resolvidos pelos módulos estabelecidos pela lei espanhola atual de Técnicas de Procriação Humana Assistida de 26 de maio de 2006 —LTRHA a partir de agora—, e favorecer o tutelar anseio de paternidade ou maternidade biológica ou não biológica —o aceitável direito fundamental para a reprodução—, o legislador espanhol deveria criar uma regulamentação razoável de acordo de gestação de substituição. Esta regulamentação poderia ser levada a cabo de acordo com as diretrizes da transcendental Instrução da Dirección General de los Registros y del Notariado —DGRN a partir de agora— de 5 de outubro de 2010 e de algumas acertadas regulamentações estrangeiras existentes nesta matéria que, nunca seja esquecida, tem como objetivo fundamental e plausível a geração de uma vida humana. Como repeti em muitas ocasiões —é o leitmotiv da minha obra—, o jurista não pode limitar-se a contemplar a realidade, mas está obrigado a propor ao legislador ou aos tribunais soluções razoáveis e valentes —se necessário—, para os novos desafios jurídicos esboçados pela sociedade moderna.
Recentemente, a Lei portuguesa n.[SUP]o[/SUP] 25/2016, de 22 de agosto, que regulamenta o acesso à gestação de substituição —LGS a partir de agora—, e que entrou em vigor em 1 de setembro de 2016, modificando a Lei portuguesa n.[SUP]o[/SUP] 32/2006, de 26 de julho, da Procriação Medicamente Assistida —LPMA a partir de agora—, cujo artigo 8.º, primeiro negava expressamente essa gestação de substituição, como continua a fazer o artigo 10, 1º LTRHA espanhola: «Será nulo o acordo personalizado para a gestação, com ou sem preço, a cargo de uma mulher que renuncia a filiação materna a favor da parte contratante ou de um terço». Igualmente, a Lei portuguesa n[SUP]o[/SUP]. 17/2016, de 20 de junho, que alarga o âmbito dos beneficiários das técnicas de procriação medicamente assistida —LBPMA a partir de agora—, constituiu uma alteração da LPMA, com grande importância relativamente aos possíveis beneficiários do acordo da gestação de substituição, embora, como será comprovado posteriormente, contém discriminações intoleráveis com respeito a esses beneficiários. Por outro lado, o artigo 3.º LGS estabelece que o «Governo aprova, no prazo máximo de 120 dias após a publicação da presente lei, a respetiva regulamentação» (2) .
A supervisão e o controlo dos acordos da gestação de substituição realizados em conformidade com o ordenamento jurídico português é da competência do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida, com a intervenção também da Ordem dos Médicos, por isso o artigo 30.º, 2º, p) LPMA determina que compete ao indicado Conselho Nacional: «Centralizar toda a informação relevante acerca da aplicação das técnicas de PMA, nomeadamente registo de dadores, incluindo as gestantes de substituição, beneficiários e crianças nascidas».
Em seguida, exporei sucintamente qual era o regime jurídico anterior no Direito português sobre o acordo da gestação de substituição e, posteriormente, irei detalhar mais pormenores relativamente à nova regulação favorável ao negócio jurídico da gestação de substituição contida na indicada Lei portuguesa n.[SUP]o[/SUP] 25/2016, de 22 de agosto, que regula o acesso à gestação de substituição.
II. REGIME JURÍDICO PORTUGUÊS ANTERIOR À LEI N[SUP]o[/SUP]. 25/2016, DE 22 DE AGOSTO: NULIDADE DO ACORDO DE «MATERNIDADE DE SUBSTITUIÇÃO»
A LPMA portuguesa, na sua versão de 2006, excluía do seu âmbito de aplicação a chamada «maternidade de substituição» (ex art. 2). Ademais, como já foi referido, o antigo artigo 8.º, 1º LPMA, como o atual artigo 10.º, 1º LTRHA espanhola, declarava expressamente a nulidade do acordo da gestação de substituição, indicando no seu parágrafo primeiro que: «São nulos os negócios jurídicos, gratuitos ou onerosos, de maternidade de substituição». Ademais, no seu parágrafo segundo, o antigo artigo 8.º LPMA definia essa «maternidade de substituição» como «qualquer situação em que a mulher se disponha a suportar uma gravidez por conta de outrem e a entregar a criança após o parto, renunciando aos poderes e deveres próprios da maternidade». Pois bem, devido à nulidade do da gestação de substituição, e baseado no axioma velho romano mater semper certa est, o parágrafo terceiro do antigo artigo 8.º LPMA considerava sempre como mulher grávida a mãe biológica («A mulher que suportar uma gravidez de substituição de outrem é havida, para todos os efeitos legais, como a mãe da criança que vier a nascer» —dizia a indicada norma—); assim como o atual artigo 10.º, 2º LTRHA espanhola: «A filiação das crianças nascidas da gestação de substituição será determinada pelo parto»; e, consequentemente, o filho devia ser inscrito no Registo Civil como filho da mulher grávida. Por conseguinte, a mãe do nascido sempre estaria determinada e, para estabelecer a sua maternidade, apenas haveria que atender ao facto certo do parto —mesmo que lhe fosse implantado um embrião no qual não tivessem sido usados os seus próprios óvulos— e à identidade do filho. Para além disso, pela sua ilicitude manifesta e ineficácia jurídica, de ser realizado efetivamente o acordo da gestação de substituição, a gestante não assumiria qualquer obrigação contratual de entregar o bebé após o parto e haveria igualmente responsabilidade penal no caso em que o acordo da gestação de substituição fosse feito a título oneroso (ex antigo art. 39.º, 1º LPMA) e não, curiosamente, se tivesse natureza gratuita.
III. ANÁLISE DA LEGISLAÇÃO PORTUGUESA ATUAL EM MATÉRIA DA GESTAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO APÓS A LGS
1. Admissão geral do acordo da gestação de substituição
Como já foi referido, a recente LGS portuguesa admite, por fim, o acordo da gestação de substituição —embora «só é possível a título excecional», adverte expressamente o novo art. 8.º, 2º LPMA—, por isso que seu artigo 1, intitulado «Objeto», diz que: «A presente lei regula o acesso à gestação de substituição…»; adicionando um novo número ao artigo 2.º LPMA que dispõe que a «presente lei aplica -se ainda às situações de gestação de substituição previstas no artigo 8.º»; disposição reguladora exclusiva e específica da instituição aprovada. Igualmente, é eliminado o antigo parágrafo primeiro do artigo 8.º LPMA —que considerava nulos os acordos da gestação de substituição, fossem gratuitos ou onerosos—, parágrafo que agora retoma a definição da gestação de substituição: «…qualquer situação em que a mulher se disponha a suportar uma gravidez por conta de outrem e a entregar a criança após o parto, renunciando aos poderes e deveres próprios da maternidade». Note-se, em primeiro lugar, que, embora se mantivesse a antiga definição do acordo, contida no anterior artigo 8.º, 1º LPMA —e já referida—, é substituída a antiga denominação, «maternidade de substituição», pela mais correta de «gestação de substituição», porque não só as mulheres como também os homens teriam direito a realizar este negócio jurídico procriativo para alcançar o louvável e legítimo desejo da maternidade ou a paternidade. Todavia, como se verá mais adiante, só os homens que estejam casados ou formem uma relação estável com uma mulher podem tornar-se beneficiários deste especial acordo da gestação de substituição (ex art. 6.º, 1º LPMA), o que, por lhe faltar uma qualquer base jurídica, é muito criticável e discriminatório.
Por outro lado, é de assinalar que a admissibilidade deste acordo de gestação de substituição —que, recorde-se, «só é possível a título excecional» (ex art. 8.º, 2º LPMA)—, exige o cumprimento rigoroso das disposições contidas na Lei, de modo que, em conformidade com o artigo 8.º, 12º LPMA, são «nulos os negócios jurídicos, gratuitos ou onerosos, de gestação de substituição que não respeitem o disposto…» na Lei. Ademais, apesar da validade geral do acordo da gestação de substituição na legislação portuguesa, deve ser tido em conta o novo artigo 3.º, 1º LPMA que adverte expressamente que as «técnicas de PMA, incluindo as realizadas no âmbito das situações de gestação de substituição, devem respeitar a dignidade humana de todas as pessoas envolvidas», por isso que devem ser analisadas cuidadosamente as circunstâncias que caracterizam o acordo da gestação de substituição para evitar que, nomeadamente no que respeita à mulher gestante, seja violada a dignidade humana. Finalmente, de acordo com o previsto no novo artigo 5.º, 1º LPMA, as «técnicas de PMA, incluindo as realizadas no âmbito das situações de gestação de substituição previstas no artigo 8.º, só podem ser ministradas em centros públicos ou privados expressamente autorizados para o efeito pelo Ministro da Saúde», o que representa uma prevenção necessária e importante para tentar impedir que o acordo da gestação de substituição e o seu desenvolvimento sejam realizados em condições desfavoráveis ou descontroladas.
2. fixação dos beneficiários do acordo da gestação de substituição e idade mínima requerida
De acordo com o novo artigo 6.º, 1º LPMA, normativa que foi modificada pela específica Lei n[SUP]o[/SUP]. 17/2016 —LBPMA—, só podem ser beneficiários deste acordo da gestação de substituição «os casais de sexo diferente ou os casais de mulheres, respetivamente casados ou casadas ou que vivam em condições análogas às dos cônjuges, bem como todas as mulheres independentemente do estado civil e da respetiva orientação sexual». Por tanto, não podem ser beneficiários desta técnica de procriação medicamente assistida —nem de qualquer outra da supracitada LPMA—, ou seja, do negócio jurídico da gestação de substituição, dois homens, nem casados nem em uma relação não conjugal, e também os homens solteiros. Certamente, não se compreende esta discriminação jurídica prevista na legislação portuguesa, sobretudo sobre os casais de homens cujo casamento é permitido pela Lei portuguesa n[SUP]o[/SUP]. 9/2010, de 31 de maio, que permite o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, também homens. Esta legislação específica equiparou total e juridicamente os casais homossexuais aos casais de sexo diferente, incluindo, por exemplo, o direito à adoção, pelo que não se compreende agora o critério discriminatório do legislador português para excluir os casais de homens do negócio jurídico da gestação de substituição e, pelo contrário, permiti-lo aos casais de mulheres. Tampouco se explica que, podendo um homem solteiro adotar (ex art. 1979, 2º Código Civil português), não possa celebrar este negócio jurídico procriativo, por muito que seja considerado pelo legislador português como um mecanismo excecional (ex art. 8.º, 2º LPMA), pois um homem solteiro pode também dar o seu material reprodutivo para conseguir um embrião viável, como veremos que exige o artigo 8.º, 3º LPMA. Obviamente, é razoável e inevitável que sejam excluídos os homens das técnicas de procriação medicamente assistidas que impliquem uma gravidez própria dos mesmos, no entanto, de modo algum, relativamente a esta técnica reprodutiva que representa apenas um negócio jurídico procriativo válido, permitiria a desejada e legítima paternidade sem ter que recorrer a uma gravidez impossível, de momento, por parte dos homens.
Quanto à idade mínima para a levar a cabo o acordo da gestação de substituição, conforme o artigo 6, 2º LPMA, não modificado nem pela LBPMA, nem pela LGS, as «técnicas só podem ser utilizadas em benefício de quem tenha, pelo menos, 18 anos de idade e não se encontre interdito ou inabilitado por anomalia psíquica». Adaptando este preceito ao regime atual português do acordo da gestação de substituição, deve ser entendido, pois, que tanto os eventuais beneficiários como a mulher grávida apenas devem ter 18 anos de idade, pelo que o legislador português considera suficiente, nesta sede, a maioridade. Na minha opinião, a idade requerida para realizar este negócio jurídico procriativo deveria ser igual à idade requerida para adotar, ou seja, segundo o artigo 1979 Código Civil português, 25 ou 30 anos. Entendo que se o legislador exige essa idade para poder adotar, pela importância e maturidade que é precisa à paternidade ou maternidade, o mesmo critério deve ser seguido para a realização do acordo da gestação de substituição, tanto para os potenciais beneficiários, como para a mulher grávida, isso sim, bastando que um dos comitentes — se se tratasse de casados ou em uma relação não conjugal — tivesse essa idade.
3. casos em que procede o acordo da gestação de substituição
O artigo 1 LGS refere-se, como objeto da Lei, e, portanto, como casos em que procede o acordo da gestação de substituição na legislação portuguesa, «… os casos de ausência de útero, de lesão ou de doença deste órgão que impeça de forma absoluta e definitiva a gravidez…». Ademais, o novo artigo 8, 2º, último travessão LPMA, que contém expressamente esses mesmos pressupostos da impossibilidade da mulher em gerar um bebé, adiciona os casos em que a mulher não pode levar a cabo uma gravidez «em situações clínicas que o justifiquem»; sem esquecer que o artigo 12, a, último travessão LPMA, sobre os direitos dos beneficiários das técnicas de procriação medicamente assistida, fala de «riscos significativos para a saúde da mãe ou do filho». Portanto, tendo em conta todos estes artigos indicados, o legislador português, para autorizar o negócio jurídico da gestação de substituição, estabelece a exigência inelutável da incapacidade de ficar grávida por parte da mulher —ou casais de mulheres— interessada, ou de perigo sério para a mãe ou o filho pela gravidez, o que considero muito razoável, pois evita-se que se pretenda recorrer a este negócio jurídico procriativo por razões não estritamente médicos ou de saúde, mas laborais ou de estética ou unicamente para evitar as gravidezes e os seus desconfortos ou inconvenientes para as mulheres.
No entanto, na regulação do acordo da gestação de substituição, o legislador português esqueceu-se, o que pressupõe uma grave contradição — um grande erro técnico-jurídico—, que o novo parágrafo 3º do artigo 4 LPMA — especificamente introduzido pela LBPMA—, estabelece agora que as «técnicas de PMA podem ainda ser utilizadas por todas as mulheres independentemente do diagnóstico de infertilidade», o que parece permitir que uma mulher possa recorrer ao acordo da gestação de substituição independentemente da sua possibilidade ou não de engravidar. Obviamente, deve entender-se que a mulher que pretenda realizar um acordo da gestação de substituição, quer solteira, ou casada com um homem ou com outra mulher —também impossibilitada de engravidar—, deve ser incluída, necessariamente, nos casos dos referidos artigos 1 LGS e 8, 2º ou 12 da LPMA. Esta ideia não só é fundada numa interpretação contrária que seria contra o próprio objeto e o espírito da LGS portuguesa, mas também em que isto pode ser deduzido pelo parágrafo 4º do próprio artigo 8 LPMA que indica que a «celebração de negócios jurídicos de gestação de substituição carece de autorização prévia do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida, entidade que supervisiona todo o processo, a qual é sempre antecedida de audição da Ordem dos Médicos e apenas pode ser concedida nas situações previstas no n.[SUP]o[/SUP] 2»; sem esquecer, por último, o aforismo essencial que uma lei especial —a LGS— sempre prevalecerá perante uma lei geral —a LPMA—.
4. recurso aos gâmetas de, pelo menos, um dos beneficiários e exclusão expressa do contributo do qualquer ovócito da gestante de substituição
De acordo com o artigo 8, 3º, primeiro travessão LPMA, a «gestação de substituição só pode ser autorizada através de uma técnica de procriação medicamente assistida com recurso aos gâmetas de, pelo menos, um dos respetivos beneficiários…». Esta premissa legal poderia ser fundada no dado essencial de que o acordo da gestação de substituição só seria legalmente concebível, em princípio, como meio para resolver problemas de infertilidade que não poderiam ser salvaguardadas por meio dos mecanismos gerais referidos na LPMA portuguesa, ou seja, como instrumento para a realização da paternidade ou maternidade biológica de, pelo menos, um dos membros do casal, desejo que, de outro modo —pela incapacidade de criar—, não seria possível.
Por outro lado, note-se que, aplicando este artigo 8, 3º, primeiro travessão LPMA, a solteira estéril não poderia recorrer ao acordo da gestação de substituição, por não poder contribuir com o seu próprio material reprodutivo, desde que um argumento contrário resultaria do indicado e atual artigo 6, 1º LPMA —que se refere a «todas as mulheres independentemente do estado civil e da respetiva orientação sexual»—, e do também sugerido novo artigo 4, 3º LPMA —que diz agora que as «técnicas de PMA podem ainda ser utilizadas por todas as mulheres independentemente do diagnóstico de infertilidade»—. Portanto, na minha opinião, deveria prevalecer nesta sede a admissibilidade do acordo da gestação de substituição para o caso da mulher solteira que não pôde contribuir com o seu próprio material reprodutivo, porque ao contrário do que acontece relativo aos homens sós, aqui existe argumento legal para apoiar-se convenientemente, nem que tenha de obviar o caráter «excecional» que tem o acordo da gestação de substituição na legislação portuguesa (ex art. 8, 2º LPMA).
Finalmente, o artigo 8, 3º, segundo travessão LPMA contém uma advertência importante e expressa de que não pode «a gestante de substituição, em caso algum, ser a dadora de qualquer ovócito usado no concreto procedimento em que é participante». Por conseguinte, o legislador português impede expressamente a possibilidade de que a mulher gestante conceda o seu próprio material reprodutivo para a obtenção do embrião a criar. Com esta proibição categórica é garantida a inexistência de laço jurídico de filiação com a criança nascida deste modo, o que impedirá que a gestante pode ser considerada mãe ab initio só pelo único facto do parto, de modo a que se acaba, por fim, com o antigo princípio romano de mater semper certa est. Esta previsão legal supõe uma norma muito acertada assim que trata de evitar eventuais problemas de reclamação de maternidade —evitando desta forma futuros conflitos jurídicos que poderão desaconselhar o acesso ao acordo gestacional—, facilita e assegura a irrevocabilidade do consentimento prestado no acordo da gestação de substituição ou, fora já do âmbito estritamente jurídico, pretende minimizar, na medida do possível, questões de sentimentalismos da mulher gestante relativamente à criança nascida desta forma. E além disso, nesta mesma linha de prevenir conflitos sentimentais na mulher gestante, falta nesta legislação portuguesa sobre o acordo da gestação uma imposição expressa de que se a dita gestante tiver, pelo menos, um próprio filho e saudável, requisito que, sem dúvida, favoreceria a entrega posterior aos potenciais beneficiários do acordo da criança nascida por este mecanismo legalmente permitido.
5. gratuitidade do acordo
Já o artigo 8, 2º LPMA adverte que a «celebração de negócios jurídicos de gestação de substituição só é possível a título excecional e com natureza gratuita», confirmando-se esta ideia no parágrafo 5º do mesmo artigo 8 LPMA: «É proibido qualquer tipo de pagamento ou a doação de qualquer bem ou quantia dos beneficiários à gestante de substituição pela gestação da criança, exceto o valor correspondente às despesas decorrentes do acompanhamento de saúde efetivamente prestado, incluindo em transportes, desde que devidamente tituladas em documento próprio». Igualmente, em relação íntima com esta proibição do negócio jurídico oneroso da gestação de substituição, o artigo 8, 6º LPMA dispõe ainda que não «é permitida a celebração de negócios jurídicos de gestação de substituição quando existir uma relação de subordinação económica, nomeadamente de natureza laboral ou de prestação de serviços, entre as partes envolvidas». A razão desta exigência está ligada, pois, com o caráter essencialmente gratuito que este acordo reprodutivo deve ter na legislação portuguesa. No entanto, embora outras legislações estrangeiras também partam da gratuidade deste acordo da gestação de substituição, considero aconselhável uma «indemnização adequada», de uma «remuneração razoável» — como estabelecido o Surrogacy Arrangements (Act 1985 Chapter 49) inglês— para levar o acordo gestacional a bom termo. Não se trata, advirto, de converter o acordo da gestação de substituição numa profissão ou num instrumento das mulheres para conseguir dinheiro permanentemente, mas que apenas seria de toda a conveniência — atendida a realidade das coisas e à própria natureza humana—, que a mulher gestante — especialmente se for uma pessoa estranha aos beneficiários do acordo— tivesse uma «recompensa» moderada além do reembolso dos gastos causados desde a inseminação artificial até o pós-parto. Sem esquecer, obviamente, que esta contrapartida favoreceria a existência de pessoas interessadas na realização destes acordos da gestação de substituição. Ademais, para evitar a «profissionalização» nesta específica sede, seria bastante estabelecer-se na Lei reguladora desta questão uma limitação expressa de que a mulher gestante unicamente poderia celebrar dito acordo gestacional, por exemplo, uma ou duas vezes no máximo.
Por outro lado, para o legislador português a gratuidade do acordo da gestação de substituição é tão importante que castiga duramente a onerosidade do negócio jurídico de modo que, nos termos do novo artigo 39, 6º LPMA quem, «em qualquer circunstância, retirar benefício económico da celebração de contratos de gestação de substituição ou da sua promoção, por qualquer meio, designadamente através de convite direto ou por interposta pessoa, ou de anúncio público, é punido com pena de prisão até 5 anos». Ademais, é de notar que embora o antigo artigo 39, 1º LPMA somente castigava «com pena de prisão até 2 anos ou pena de multa até 240 dias» a quem «concretizar contratos de maternidade de substituição a título oneroso», atualmente, o mesmo preceito castiga também o acordo procriativo levado a cabo a título gratuito, fora dos casos permitidos expressamente pela lei, já seja sobre os beneficiários —«com pena de prisão até 1 ano ou pena de multa até 120 dias» (art. 39, 3º LPMA)—, quer se trate da mulher gestante —«com pena de multa até 120 dias» (art. 39, 4º LPMA)—.
(...)
Acerca da nova Lei portuguesa n.[SUP]o[/SUP] 25/2016, de 22 de agosto
Antonio J. Vela Sánchez
Professor Titular de Direito Civil. Universidade Pablo de Olavide (Sevilha)
JusJornal, Editora Wolters Kluwer
JusNet 27/2018
A Lei nº. 25/2016, de 22 de agosto, regula o acordo da gestação de substituição no Direito português. Embora se trate de uma regulamentação escassa, contraditória em algum ponto e discriminatória no que respeita aos potenciais beneficiários do acordo da gestação de substituição, é muito plausível a determinação do legislador português ―em frente à passividade de espanhol― de contemplar esta instituição jurídica da qual poderão beneficiar, seguramente, os cidadãos espanhóis.
Os poucos que fazem são a inveja dos muitos que apenas a olham
Jim Rohn
I. INTRODUÇÃO
Em dois livros e em numerosos artigos (1) —a maior parte publicados na Revista jurídica espanhola La Ley (Diario La Ley)—, este autor defendeu que, para resolver legalmente problemas de infertilidade não resolvidos pelos módulos estabelecidos pela lei espanhola atual de Técnicas de Procriação Humana Assistida de 26 de maio de 2006 —LTRHA a partir de agora—, e favorecer o tutelar anseio de paternidade ou maternidade biológica ou não biológica —o aceitável direito fundamental para a reprodução—, o legislador espanhol deveria criar uma regulamentação razoável de acordo de gestação de substituição. Esta regulamentação poderia ser levada a cabo de acordo com as diretrizes da transcendental Instrução da Dirección General de los Registros y del Notariado —DGRN a partir de agora— de 5 de outubro de 2010 e de algumas acertadas regulamentações estrangeiras existentes nesta matéria que, nunca seja esquecida, tem como objetivo fundamental e plausível a geração de uma vida humana. Como repeti em muitas ocasiões —é o leitmotiv da minha obra—, o jurista não pode limitar-se a contemplar a realidade, mas está obrigado a propor ao legislador ou aos tribunais soluções razoáveis e valentes —se necessário—, para os novos desafios jurídicos esboçados pela sociedade moderna.
Recentemente, a Lei portuguesa n.[SUP]o[/SUP] 25/2016, de 22 de agosto, que regulamenta o acesso à gestação de substituição —LGS a partir de agora—, e que entrou em vigor em 1 de setembro de 2016, modificando a Lei portuguesa n.[SUP]o[/SUP] 32/2006, de 26 de julho, da Procriação Medicamente Assistida —LPMA a partir de agora—, cujo artigo 8.º, primeiro negava expressamente essa gestação de substituição, como continua a fazer o artigo 10, 1º LTRHA espanhola: «Será nulo o acordo personalizado para a gestação, com ou sem preço, a cargo de uma mulher que renuncia a filiação materna a favor da parte contratante ou de um terço». Igualmente, a Lei portuguesa n[SUP]o[/SUP]. 17/2016, de 20 de junho, que alarga o âmbito dos beneficiários das técnicas de procriação medicamente assistida —LBPMA a partir de agora—, constituiu uma alteração da LPMA, com grande importância relativamente aos possíveis beneficiários do acordo da gestação de substituição, embora, como será comprovado posteriormente, contém discriminações intoleráveis com respeito a esses beneficiários. Por outro lado, o artigo 3.º LGS estabelece que o «Governo aprova, no prazo máximo de 120 dias após a publicação da presente lei, a respetiva regulamentação» (2) .
A supervisão e o controlo dos acordos da gestação de substituição realizados em conformidade com o ordenamento jurídico português é da competência do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida, com a intervenção também da Ordem dos Médicos, por isso o artigo 30.º, 2º, p) LPMA determina que compete ao indicado Conselho Nacional: «Centralizar toda a informação relevante acerca da aplicação das técnicas de PMA, nomeadamente registo de dadores, incluindo as gestantes de substituição, beneficiários e crianças nascidas».
Em seguida, exporei sucintamente qual era o regime jurídico anterior no Direito português sobre o acordo da gestação de substituição e, posteriormente, irei detalhar mais pormenores relativamente à nova regulação favorável ao negócio jurídico da gestação de substituição contida na indicada Lei portuguesa n.[SUP]o[/SUP] 25/2016, de 22 de agosto, que regula o acesso à gestação de substituição.
II. REGIME JURÍDICO PORTUGUÊS ANTERIOR À LEI N[SUP]o[/SUP]. 25/2016, DE 22 DE AGOSTO: NULIDADE DO ACORDO DE «MATERNIDADE DE SUBSTITUIÇÃO»
A LPMA portuguesa, na sua versão de 2006, excluía do seu âmbito de aplicação a chamada «maternidade de substituição» (ex art. 2). Ademais, como já foi referido, o antigo artigo 8.º, 1º LPMA, como o atual artigo 10.º, 1º LTRHA espanhola, declarava expressamente a nulidade do acordo da gestação de substituição, indicando no seu parágrafo primeiro que: «São nulos os negócios jurídicos, gratuitos ou onerosos, de maternidade de substituição». Ademais, no seu parágrafo segundo, o antigo artigo 8.º LPMA definia essa «maternidade de substituição» como «qualquer situação em que a mulher se disponha a suportar uma gravidez por conta de outrem e a entregar a criança após o parto, renunciando aos poderes e deveres próprios da maternidade». Pois bem, devido à nulidade do da gestação de substituição, e baseado no axioma velho romano mater semper certa est, o parágrafo terceiro do antigo artigo 8.º LPMA considerava sempre como mulher grávida a mãe biológica («A mulher que suportar uma gravidez de substituição de outrem é havida, para todos os efeitos legais, como a mãe da criança que vier a nascer» —dizia a indicada norma—); assim como o atual artigo 10.º, 2º LTRHA espanhola: «A filiação das crianças nascidas da gestação de substituição será determinada pelo parto»; e, consequentemente, o filho devia ser inscrito no Registo Civil como filho da mulher grávida. Por conseguinte, a mãe do nascido sempre estaria determinada e, para estabelecer a sua maternidade, apenas haveria que atender ao facto certo do parto —mesmo que lhe fosse implantado um embrião no qual não tivessem sido usados os seus próprios óvulos— e à identidade do filho. Para além disso, pela sua ilicitude manifesta e ineficácia jurídica, de ser realizado efetivamente o acordo da gestação de substituição, a gestante não assumiria qualquer obrigação contratual de entregar o bebé após o parto e haveria igualmente responsabilidade penal no caso em que o acordo da gestação de substituição fosse feito a título oneroso (ex antigo art. 39.º, 1º LPMA) e não, curiosamente, se tivesse natureza gratuita.
III. ANÁLISE DA LEGISLAÇÃO PORTUGUESA ATUAL EM MATÉRIA DA GESTAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO APÓS A LGS
1. Admissão geral do acordo da gestação de substituição
Como já foi referido, a recente LGS portuguesa admite, por fim, o acordo da gestação de substituição —embora «só é possível a título excecional», adverte expressamente o novo art. 8.º, 2º LPMA—, por isso que seu artigo 1, intitulado «Objeto», diz que: «A presente lei regula o acesso à gestação de substituição…»; adicionando um novo número ao artigo 2.º LPMA que dispõe que a «presente lei aplica -se ainda às situações de gestação de substituição previstas no artigo 8.º»; disposição reguladora exclusiva e específica da instituição aprovada. Igualmente, é eliminado o antigo parágrafo primeiro do artigo 8.º LPMA —que considerava nulos os acordos da gestação de substituição, fossem gratuitos ou onerosos—, parágrafo que agora retoma a definição da gestação de substituição: «…qualquer situação em que a mulher se disponha a suportar uma gravidez por conta de outrem e a entregar a criança após o parto, renunciando aos poderes e deveres próprios da maternidade». Note-se, em primeiro lugar, que, embora se mantivesse a antiga definição do acordo, contida no anterior artigo 8.º, 1º LPMA —e já referida—, é substituída a antiga denominação, «maternidade de substituição», pela mais correta de «gestação de substituição», porque não só as mulheres como também os homens teriam direito a realizar este negócio jurídico procriativo para alcançar o louvável e legítimo desejo da maternidade ou a paternidade. Todavia, como se verá mais adiante, só os homens que estejam casados ou formem uma relação estável com uma mulher podem tornar-se beneficiários deste especial acordo da gestação de substituição (ex art. 6.º, 1º LPMA), o que, por lhe faltar uma qualquer base jurídica, é muito criticável e discriminatório.
Por outro lado, é de assinalar que a admissibilidade deste acordo de gestação de substituição —que, recorde-se, «só é possível a título excecional» (ex art. 8.º, 2º LPMA)—, exige o cumprimento rigoroso das disposições contidas na Lei, de modo que, em conformidade com o artigo 8.º, 12º LPMA, são «nulos os negócios jurídicos, gratuitos ou onerosos, de gestação de substituição que não respeitem o disposto…» na Lei. Ademais, apesar da validade geral do acordo da gestação de substituição na legislação portuguesa, deve ser tido em conta o novo artigo 3.º, 1º LPMA que adverte expressamente que as «técnicas de PMA, incluindo as realizadas no âmbito das situações de gestação de substituição, devem respeitar a dignidade humana de todas as pessoas envolvidas», por isso que devem ser analisadas cuidadosamente as circunstâncias que caracterizam o acordo da gestação de substituição para evitar que, nomeadamente no que respeita à mulher gestante, seja violada a dignidade humana. Finalmente, de acordo com o previsto no novo artigo 5.º, 1º LPMA, as «técnicas de PMA, incluindo as realizadas no âmbito das situações de gestação de substituição previstas no artigo 8.º, só podem ser ministradas em centros públicos ou privados expressamente autorizados para o efeito pelo Ministro da Saúde», o que representa uma prevenção necessária e importante para tentar impedir que o acordo da gestação de substituição e o seu desenvolvimento sejam realizados em condições desfavoráveis ou descontroladas.
2. fixação dos beneficiários do acordo da gestação de substituição e idade mínima requerida
De acordo com o novo artigo 6.º, 1º LPMA, normativa que foi modificada pela específica Lei n[SUP]o[/SUP]. 17/2016 —LBPMA—, só podem ser beneficiários deste acordo da gestação de substituição «os casais de sexo diferente ou os casais de mulheres, respetivamente casados ou casadas ou que vivam em condições análogas às dos cônjuges, bem como todas as mulheres independentemente do estado civil e da respetiva orientação sexual». Por tanto, não podem ser beneficiários desta técnica de procriação medicamente assistida —nem de qualquer outra da supracitada LPMA—, ou seja, do negócio jurídico da gestação de substituição, dois homens, nem casados nem em uma relação não conjugal, e também os homens solteiros. Certamente, não se compreende esta discriminação jurídica prevista na legislação portuguesa, sobretudo sobre os casais de homens cujo casamento é permitido pela Lei portuguesa n[SUP]o[/SUP]. 9/2010, de 31 de maio, que permite o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, também homens. Esta legislação específica equiparou total e juridicamente os casais homossexuais aos casais de sexo diferente, incluindo, por exemplo, o direito à adoção, pelo que não se compreende agora o critério discriminatório do legislador português para excluir os casais de homens do negócio jurídico da gestação de substituição e, pelo contrário, permiti-lo aos casais de mulheres. Tampouco se explica que, podendo um homem solteiro adotar (ex art. 1979, 2º Código Civil português), não possa celebrar este negócio jurídico procriativo, por muito que seja considerado pelo legislador português como um mecanismo excecional (ex art. 8.º, 2º LPMA), pois um homem solteiro pode também dar o seu material reprodutivo para conseguir um embrião viável, como veremos que exige o artigo 8.º, 3º LPMA. Obviamente, é razoável e inevitável que sejam excluídos os homens das técnicas de procriação medicamente assistidas que impliquem uma gravidez própria dos mesmos, no entanto, de modo algum, relativamente a esta técnica reprodutiva que representa apenas um negócio jurídico procriativo válido, permitiria a desejada e legítima paternidade sem ter que recorrer a uma gravidez impossível, de momento, por parte dos homens.
Quanto à idade mínima para a levar a cabo o acordo da gestação de substituição, conforme o artigo 6, 2º LPMA, não modificado nem pela LBPMA, nem pela LGS, as «técnicas só podem ser utilizadas em benefício de quem tenha, pelo menos, 18 anos de idade e não se encontre interdito ou inabilitado por anomalia psíquica». Adaptando este preceito ao regime atual português do acordo da gestação de substituição, deve ser entendido, pois, que tanto os eventuais beneficiários como a mulher grávida apenas devem ter 18 anos de idade, pelo que o legislador português considera suficiente, nesta sede, a maioridade. Na minha opinião, a idade requerida para realizar este negócio jurídico procriativo deveria ser igual à idade requerida para adotar, ou seja, segundo o artigo 1979 Código Civil português, 25 ou 30 anos. Entendo que se o legislador exige essa idade para poder adotar, pela importância e maturidade que é precisa à paternidade ou maternidade, o mesmo critério deve ser seguido para a realização do acordo da gestação de substituição, tanto para os potenciais beneficiários, como para a mulher grávida, isso sim, bastando que um dos comitentes — se se tratasse de casados ou em uma relação não conjugal — tivesse essa idade.
3. casos em que procede o acordo da gestação de substituição
O artigo 1 LGS refere-se, como objeto da Lei, e, portanto, como casos em que procede o acordo da gestação de substituição na legislação portuguesa, «… os casos de ausência de útero, de lesão ou de doença deste órgão que impeça de forma absoluta e definitiva a gravidez…». Ademais, o novo artigo 8, 2º, último travessão LPMA, que contém expressamente esses mesmos pressupostos da impossibilidade da mulher em gerar um bebé, adiciona os casos em que a mulher não pode levar a cabo uma gravidez «em situações clínicas que o justifiquem»; sem esquecer que o artigo 12, a, último travessão LPMA, sobre os direitos dos beneficiários das técnicas de procriação medicamente assistida, fala de «riscos significativos para a saúde da mãe ou do filho». Portanto, tendo em conta todos estes artigos indicados, o legislador português, para autorizar o negócio jurídico da gestação de substituição, estabelece a exigência inelutável da incapacidade de ficar grávida por parte da mulher —ou casais de mulheres— interessada, ou de perigo sério para a mãe ou o filho pela gravidez, o que considero muito razoável, pois evita-se que se pretenda recorrer a este negócio jurídico procriativo por razões não estritamente médicos ou de saúde, mas laborais ou de estética ou unicamente para evitar as gravidezes e os seus desconfortos ou inconvenientes para as mulheres.
No entanto, na regulação do acordo da gestação de substituição, o legislador português esqueceu-se, o que pressupõe uma grave contradição — um grande erro técnico-jurídico—, que o novo parágrafo 3º do artigo 4 LPMA — especificamente introduzido pela LBPMA—, estabelece agora que as «técnicas de PMA podem ainda ser utilizadas por todas as mulheres independentemente do diagnóstico de infertilidade», o que parece permitir que uma mulher possa recorrer ao acordo da gestação de substituição independentemente da sua possibilidade ou não de engravidar. Obviamente, deve entender-se que a mulher que pretenda realizar um acordo da gestação de substituição, quer solteira, ou casada com um homem ou com outra mulher —também impossibilitada de engravidar—, deve ser incluída, necessariamente, nos casos dos referidos artigos 1 LGS e 8, 2º ou 12 da LPMA. Esta ideia não só é fundada numa interpretação contrária que seria contra o próprio objeto e o espírito da LGS portuguesa, mas também em que isto pode ser deduzido pelo parágrafo 4º do próprio artigo 8 LPMA que indica que a «celebração de negócios jurídicos de gestação de substituição carece de autorização prévia do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida, entidade que supervisiona todo o processo, a qual é sempre antecedida de audição da Ordem dos Médicos e apenas pode ser concedida nas situações previstas no n.[SUP]o[/SUP] 2»; sem esquecer, por último, o aforismo essencial que uma lei especial —a LGS— sempre prevalecerá perante uma lei geral —a LPMA—.
4. recurso aos gâmetas de, pelo menos, um dos beneficiários e exclusão expressa do contributo do qualquer ovócito da gestante de substituição
De acordo com o artigo 8, 3º, primeiro travessão LPMA, a «gestação de substituição só pode ser autorizada através de uma técnica de procriação medicamente assistida com recurso aos gâmetas de, pelo menos, um dos respetivos beneficiários…». Esta premissa legal poderia ser fundada no dado essencial de que o acordo da gestação de substituição só seria legalmente concebível, em princípio, como meio para resolver problemas de infertilidade que não poderiam ser salvaguardadas por meio dos mecanismos gerais referidos na LPMA portuguesa, ou seja, como instrumento para a realização da paternidade ou maternidade biológica de, pelo menos, um dos membros do casal, desejo que, de outro modo —pela incapacidade de criar—, não seria possível.
Por outro lado, note-se que, aplicando este artigo 8, 3º, primeiro travessão LPMA, a solteira estéril não poderia recorrer ao acordo da gestação de substituição, por não poder contribuir com o seu próprio material reprodutivo, desde que um argumento contrário resultaria do indicado e atual artigo 6, 1º LPMA —que se refere a «todas as mulheres independentemente do estado civil e da respetiva orientação sexual»—, e do também sugerido novo artigo 4, 3º LPMA —que diz agora que as «técnicas de PMA podem ainda ser utilizadas por todas as mulheres independentemente do diagnóstico de infertilidade»—. Portanto, na minha opinião, deveria prevalecer nesta sede a admissibilidade do acordo da gestação de substituição para o caso da mulher solteira que não pôde contribuir com o seu próprio material reprodutivo, porque ao contrário do que acontece relativo aos homens sós, aqui existe argumento legal para apoiar-se convenientemente, nem que tenha de obviar o caráter «excecional» que tem o acordo da gestação de substituição na legislação portuguesa (ex art. 8, 2º LPMA).
Finalmente, o artigo 8, 3º, segundo travessão LPMA contém uma advertência importante e expressa de que não pode «a gestante de substituição, em caso algum, ser a dadora de qualquer ovócito usado no concreto procedimento em que é participante». Por conseguinte, o legislador português impede expressamente a possibilidade de que a mulher gestante conceda o seu próprio material reprodutivo para a obtenção do embrião a criar. Com esta proibição categórica é garantida a inexistência de laço jurídico de filiação com a criança nascida deste modo, o que impedirá que a gestante pode ser considerada mãe ab initio só pelo único facto do parto, de modo a que se acaba, por fim, com o antigo princípio romano de mater semper certa est. Esta previsão legal supõe uma norma muito acertada assim que trata de evitar eventuais problemas de reclamação de maternidade —evitando desta forma futuros conflitos jurídicos que poderão desaconselhar o acesso ao acordo gestacional—, facilita e assegura a irrevocabilidade do consentimento prestado no acordo da gestação de substituição ou, fora já do âmbito estritamente jurídico, pretende minimizar, na medida do possível, questões de sentimentalismos da mulher gestante relativamente à criança nascida desta forma. E além disso, nesta mesma linha de prevenir conflitos sentimentais na mulher gestante, falta nesta legislação portuguesa sobre o acordo da gestação uma imposição expressa de que se a dita gestante tiver, pelo menos, um próprio filho e saudável, requisito que, sem dúvida, favoreceria a entrega posterior aos potenciais beneficiários do acordo da criança nascida por este mecanismo legalmente permitido.
5. gratuitidade do acordo
Já o artigo 8, 2º LPMA adverte que a «celebração de negócios jurídicos de gestação de substituição só é possível a título excecional e com natureza gratuita», confirmando-se esta ideia no parágrafo 5º do mesmo artigo 8 LPMA: «É proibido qualquer tipo de pagamento ou a doação de qualquer bem ou quantia dos beneficiários à gestante de substituição pela gestação da criança, exceto o valor correspondente às despesas decorrentes do acompanhamento de saúde efetivamente prestado, incluindo em transportes, desde que devidamente tituladas em documento próprio». Igualmente, em relação íntima com esta proibição do negócio jurídico oneroso da gestação de substituição, o artigo 8, 6º LPMA dispõe ainda que não «é permitida a celebração de negócios jurídicos de gestação de substituição quando existir uma relação de subordinação económica, nomeadamente de natureza laboral ou de prestação de serviços, entre as partes envolvidas». A razão desta exigência está ligada, pois, com o caráter essencialmente gratuito que este acordo reprodutivo deve ter na legislação portuguesa. No entanto, embora outras legislações estrangeiras também partam da gratuidade deste acordo da gestação de substituição, considero aconselhável uma «indemnização adequada», de uma «remuneração razoável» — como estabelecido o Surrogacy Arrangements (Act 1985 Chapter 49) inglês— para levar o acordo gestacional a bom termo. Não se trata, advirto, de converter o acordo da gestação de substituição numa profissão ou num instrumento das mulheres para conseguir dinheiro permanentemente, mas que apenas seria de toda a conveniência — atendida a realidade das coisas e à própria natureza humana—, que a mulher gestante — especialmente se for uma pessoa estranha aos beneficiários do acordo— tivesse uma «recompensa» moderada além do reembolso dos gastos causados desde a inseminação artificial até o pós-parto. Sem esquecer, obviamente, que esta contrapartida favoreceria a existência de pessoas interessadas na realização destes acordos da gestação de substituição. Ademais, para evitar a «profissionalização» nesta específica sede, seria bastante estabelecer-se na Lei reguladora desta questão uma limitação expressa de que a mulher gestante unicamente poderia celebrar dito acordo gestacional, por exemplo, uma ou duas vezes no máximo.
Por outro lado, para o legislador português a gratuidade do acordo da gestação de substituição é tão importante que castiga duramente a onerosidade do negócio jurídico de modo que, nos termos do novo artigo 39, 6º LPMA quem, «em qualquer circunstância, retirar benefício económico da celebração de contratos de gestação de substituição ou da sua promoção, por qualquer meio, designadamente através de convite direto ou por interposta pessoa, ou de anúncio público, é punido com pena de prisão até 5 anos». Ademais, é de notar que embora o antigo artigo 39, 1º LPMA somente castigava «com pena de prisão até 2 anos ou pena de multa até 240 dias» a quem «concretizar contratos de maternidade de substituição a título oneroso», atualmente, o mesmo preceito castiga também o acordo procriativo levado a cabo a título gratuito, fora dos casos permitidos expressamente pela lei, já seja sobre os beneficiários —«com pena de prisão até 1 ano ou pena de multa até 120 dias» (art. 39, 3º LPMA)—, quer se trate da mulher gestante —«com pena de multa até 120 dias» (art. 39, 4º LPMA)—.
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