nfelizmente, o clima vai mudar, avisa Soromenho Marques, humanista ligado ao Ambiente, consultor de entidades como a Comissão Europeia e a Gulbenkian
Viriato Soromenho Marques está associado, há três décadas, à defesa de causas ambientais. O seu percurso académico, ainda que o encaminhasse para a área de Filosofia e de Estudos Europeus (é catedrádico na Faculdade de Letras de Lisboa), não o afastou de uma especialização de cariz científico mais exacto.
Mas a abordagem que faz das questões ecológicas deixa bem visível a sua formação predominante, ao colocar em foco a relação do ser humano com a casa planetária nos seus usos e aproveitamento sustentáveis. Soromenho Marques faz-se ouvir como uma voz tranquila alertando para os perigos.
A questão das alterações climáticas pode ser vista como artificial, pelo menos na ênfase que lhe é dada?
Seria muito bom que chegássemos à conclusão de que as nossas projecções eram exageradas. A verdade é que quanto mais conhecemos, mais inquietantes se tornam as perspectivas sobre o futuro ambiental e climático do Planeta ao longo deste século.
Os detractores desta perspectiva contrapõem com dados de igual valia científica aos que garantem haver mudança no clima que não é cíclica?
Não. Para o público em geral, esses dados podem ser parecidos, mas a verdade é que os "negacionistas" são uma espécie de párias do mundo académico. Não conseguem publicar nas revistas científicas que têm revisão por pares, e assim "fogem" para a imprensa geral ou para a blogosfera. Ainda bem, pois isso significa que somos uma sociedade onde existe o direito à asneira pública e publicada.
Considera que quem defende não haver provas suficientes defende também interesses constituídos dos governos e indústrias?
Penso que já foi mais assim. O Mundo não está dividido em preto e branco. Muitas das grandes indústrias, incluindo o sector energético, estão conscientes da situação. O sector dos seguros, por exemplo, foi dos primeiros a apoiar investigação credível sobre alterações climáticas. Julgo que há resistências de natureza ideológica e até psicológica. Eu também tenho filhos e quando penso no Mundo em que eles vão viver sinto uma forte apreensão, para ser comedido nas palavras. Há gente que não aguenta a força dos factos e prefere entrar em fantasias delirantes. Infelizmente, o clima vai mudar. Devido a muita incúria, cupidez e ignorância involuntária, ultrapassámos há muito o ponto de não-retorno.
O que estamos a tentar é evitar que essa mudança ultrapasse uma variação média global de 2.ºC. Para que o drama não se torne uma tragédia de proporções cósmicas.
São viáveis as metas europeias de redução de emissões?
Abolutamente. E não estou a falar nas reduções de 20%, mas nas de 30%. As metas europeias têm de ser vistas no quadro de um processo de mudança profunda da nossa civilização tecnológica. Nessa mudança, haverá lugar para muitos investimentos, muita criação de novos empregos. Será uma batalha para salvarmos o futuro e a esperança, sem os quais a dignidade humana estiola.
A crise tolhe o passo a essas reduções ou é "oportunidade"?
A realidade é mais complexa. Tudo indica, como já ocorreu no passado, que as emissões de gases com efeito de estufa vão cair sensivelmente na Europa e nos EUA, mas, por um lado, continuarão a aumentar nos países emergentes e a verdade é que, sem intervenção dos Estados, os investimentos em energias renováveis podem paralisar, devido à queda abrupta do preço da tonelada de carbono no mercado internacional de emissões.
Os compromissos pós-Quioto estão muito dependentes da presidência Obama?
Bastante. Não tenho dúvida de que Obama - uma das poucas boas notícias que ocorreram ao mundo nos últimos dez anos - vai surpreender pela positiva. Já tenho mais dúvidas de que o Senado norte-americano ratifique com rapidez os objectivos de redução das emissões para os EUA que a Administração Obama venha a subscrever. Mas se alguém pode fazer a diferença é Obama.
Que outros países mais pesam para um consenso?
A China, a Índia e o Brasil são indispensáveis. Não para reduzir as suas emissões, o que não é possível nem seria justo, mas para que o seu aumento não elimine completamente o esforço de redução dos países desenvolvidos.
Viriato Soromenho Marques está associado, há três décadas, à defesa de causas ambientais. O seu percurso académico, ainda que o encaminhasse para a área de Filosofia e de Estudos Europeus (é catedrádico na Faculdade de Letras de Lisboa), não o afastou de uma especialização de cariz científico mais exacto.
Mas a abordagem que faz das questões ecológicas deixa bem visível a sua formação predominante, ao colocar em foco a relação do ser humano com a casa planetária nos seus usos e aproveitamento sustentáveis. Soromenho Marques faz-se ouvir como uma voz tranquila alertando para os perigos.
A questão das alterações climáticas pode ser vista como artificial, pelo menos na ênfase que lhe é dada?
Seria muito bom que chegássemos à conclusão de que as nossas projecções eram exageradas. A verdade é que quanto mais conhecemos, mais inquietantes se tornam as perspectivas sobre o futuro ambiental e climático do Planeta ao longo deste século.
Os detractores desta perspectiva contrapõem com dados de igual valia científica aos que garantem haver mudança no clima que não é cíclica?
Não. Para o público em geral, esses dados podem ser parecidos, mas a verdade é que os "negacionistas" são uma espécie de párias do mundo académico. Não conseguem publicar nas revistas científicas que têm revisão por pares, e assim "fogem" para a imprensa geral ou para a blogosfera. Ainda bem, pois isso significa que somos uma sociedade onde existe o direito à asneira pública e publicada.
Considera que quem defende não haver provas suficientes defende também interesses constituídos dos governos e indústrias?
Penso que já foi mais assim. O Mundo não está dividido em preto e branco. Muitas das grandes indústrias, incluindo o sector energético, estão conscientes da situação. O sector dos seguros, por exemplo, foi dos primeiros a apoiar investigação credível sobre alterações climáticas. Julgo que há resistências de natureza ideológica e até psicológica. Eu também tenho filhos e quando penso no Mundo em que eles vão viver sinto uma forte apreensão, para ser comedido nas palavras. Há gente que não aguenta a força dos factos e prefere entrar em fantasias delirantes. Infelizmente, o clima vai mudar. Devido a muita incúria, cupidez e ignorância involuntária, ultrapassámos há muito o ponto de não-retorno.
O que estamos a tentar é evitar que essa mudança ultrapasse uma variação média global de 2.ºC. Para que o drama não se torne uma tragédia de proporções cósmicas.
São viáveis as metas europeias de redução de emissões?
Abolutamente. E não estou a falar nas reduções de 20%, mas nas de 30%. As metas europeias têm de ser vistas no quadro de um processo de mudança profunda da nossa civilização tecnológica. Nessa mudança, haverá lugar para muitos investimentos, muita criação de novos empregos. Será uma batalha para salvarmos o futuro e a esperança, sem os quais a dignidade humana estiola.
A crise tolhe o passo a essas reduções ou é "oportunidade"?
A realidade é mais complexa. Tudo indica, como já ocorreu no passado, que as emissões de gases com efeito de estufa vão cair sensivelmente na Europa e nos EUA, mas, por um lado, continuarão a aumentar nos países emergentes e a verdade é que, sem intervenção dos Estados, os investimentos em energias renováveis podem paralisar, devido à queda abrupta do preço da tonelada de carbono no mercado internacional de emissões.
Os compromissos pós-Quioto estão muito dependentes da presidência Obama?
Bastante. Não tenho dúvida de que Obama - uma das poucas boas notícias que ocorreram ao mundo nos últimos dez anos - vai surpreender pela positiva. Já tenho mais dúvidas de que o Senado norte-americano ratifique com rapidez os objectivos de redução das emissões para os EUA que a Administração Obama venha a subscrever. Mas se alguém pode fazer a diferença é Obama.
Que outros países mais pesam para um consenso?
A China, a Índia e o Brasil são indispensáveis. Não para reduzir as suas emissões, o que não é possível nem seria justo, mas para que o seu aumento não elimine completamente o esforço de redução dos países desenvolvidos.