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A liderança da “matilha”: uma questão fundamental !

billshcot

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Nov 10, 2010
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Actualmente, o principal papel do cão doméstico (canis familiaris), sobretudo nas sociedades ocidentais, é o de “fiel companheiro”. A nossa relação com a espécie canina é, de facto, especial! O cão desempenha um importante papel de suporte emocional, interagindo de forma a criar grandes laços e vinculação com os humanos. Trata-se de uma espécie muito gregária que tende a exibir comportamentos afiliativos, que têm como função manter o contacto social e as ligações entre os membros do grupo. Esta característica foi, sem dúvida, determinante para a nossa atracção por esta espécie e para a sua domesticação. No entanto, a relação entre os animais de companhia e os seus donos nem sempre é um mar de rosas! Muitos dos problemas surgidos neste contexto relacionam-se com a nossa dificuldade de interpretação do comportamento canino. Muitas vezes, temos tendência a interpretar o comportamento dos cães sob uma perspectiva humana, não tendo em conta as características da espécie e individuais! Esperamos que compreendam as nossas reacções e agimos de acordo com as nossas expectativas! Este é um factor de risco para o bem-estar dos donos e dos animais, aumentando a probabilidade de desenvolvimento de problemas comportamentais (inclusivamente, casos graves de agressividade), que muitas vezes resultam em abandono ou eutanásia dos cães. Para evitar este tipo de situações, é fundamental que aprendamos a compreender o comportamento do cão e a interpretar o código da comunicação canina.


Todo o comportamento resulta da interacção de factores genéticos e ambientais. Assim, quando analisamos determinada questão comportamental é importante ter em conta a história evolutiva (devendo considerar-se todo o processo de domesticação e selecção artificial) e as experiências adquiridas nas diferentes fases da vida do cão. Os resultados de diferentes estudos de comportamento, morfologia e biologia molecular sugerem que o cão doméstico terá evoluído a partir do lobo (Canis lupus). O processo de domesticação conduziu a uma diminuição das dimensões relativas do cérebro, do crânio e dos dentes. Do ponto de vista comportamental, parece ter existido uma “infantilização”, uma conservação, em idade adulta, das características juvenis dos antepassados. No que se refere ao comportamento social, embora os sistemas sociais entre os canídeos selvagens sejam flexíveis (mesmo dentro de uma espécie) de acordo com factores ecológicos (ex. disponibilidade e distribuição de alimento), podem reconhecer-se padrões comportamentais comuns. Apesar de alguns comportamentos específicos terem sido modificados (atenuados ou exagerados), através de cruzamentos e selecção artificial, a alteração do comportamento social, pela domesticação, foi, de um modo geral, relativamente pequena.


Os sistemas sociais dos canídeos contêm hierarquias. O cão não é excepção! Por outro lado, nesta espécie, o processo de socialização (sobretudo entre a 4ª e a 12ª semana de idade) permite a vinculação a animais de outras espécies (incluindo humanos), o que possibilita o seu reconhecimento como seus “semelhantes”. Assim, é provável que o cão se percepcione inserido numa matilha... que inclui as pessoas com quem convive!


Todo o sistema social segue regras que devem, necessariamente, ser comunicadas e entendidas pelos indivíduos que lhe pertencem. A comunicação efectiva é fundamental para a formação e manutenção das relações sociais. Todos os canídeos (incluindo o cão) comunicam através de sinais visuais (ex. expressões faciais, posturas, posição e movimento da cauda, etc.), auditivos (vocalizações) e olfactivos (ex. deposição de odores no ambiente, através das fezes, urina e secreções das glândulas anais; odores corporais distintos, identificativos de cada indivíduo). Muitas vezes, transmitimos, inadvertidamente, pistas que o cão interpreta de acordo com o seu código de comunicação, comportando-se de forma que consideramos “errada”! No contexto das relações hierárquicas, é de enorme importância que o dono compreenda o comportamento canino e se estabeleça precocemente numa posição dominante, mantendo-a através de atitudes que um cão consiga interpretar!


O estabelecimento da liderança


O cão tem predisposição genética para encontrar o seu estatuto social no grupo. O sucesso com que o dono se consegue impor como dominante depende, sobretudo, da percepção que o animal tem da situação! Várias são as atitudes que podemos adoptar para facilitar este processo. Neste âmbito, pareceu-me interessante apresentar, em linhas gerais, o método proposto por Ian Fennel., que integra situações comuns do dia a dia.

Ian Fennell é uma criadora inglesa que tem desenvolvido, com sucesso, um extenso trabalho em cães com problemas comportamentais, tendo inclusivamente colaborado em programas de rádio e televisão. Esta autora propõe o método “Amichien Bonding”, para facilitar a clarificação das relações sociais entre os cães e os seus donos. Baseia-se na estrutura “típica” de uma alcateia e no comportamento social dos lobos. Assenta em quatro componentes principais que Ian Fennel identifica como situações em que a hierarquia tem que ser estabelecida ou reforçada entre os membros do grupo: reunião após uma separação; situação de perigo ou alarme; passeio na rua; refeições. O estabelecimento da liderança processa-se no dia a dia. Segundo a autora, quando existe uma separação (que pode ser uma mera saída do dono da divisão da casa em que o cão se encontra) e uma posterior reunião, o cão pode exibir diversos comportamentos ritualizados que têm função no contexto social (ex. saltar em redor, trazer brinquedos, etc.). É importante que o dono reforce a sua posição de dominante, comportando-se como tal! O primeiro passo consiste em aprender a ignorar totalmente o cão, não lhe dizendo sequer para parar. Isto deve ser conseguido a todo custo, de modo a que o animal não se percepcione como alvo da atenção e detentor de uma posição de liderança (por muito que custe!). Quando a cão acalma, o dono deverá esperar, de acordo com este método, cinco minutos até voltar a interagir com ele. Todas as interacções devem ser iniciadas e finalizadas pelo dono, que deverá controlar sempre a sua intensidade. Nunca se deverá punir fisicamente o cão (este tipo de atitude poderá fazer com que adopte comportamentos defensivos que se podem traduzir em agressão!). É fundamental notar que o importante é que o cão eleja o seu dono como dominante... o uso da força, sem compreensão do comportamento canino, tende a piorar a relação com o animal de companhia (que se pode tornar verdadeiramente perigoso!). Neste contexto, a prática de exercícios de obediência é uma grande ajuda: ensinar (recompensando-o, por exemplo, com um biscoito ou festas) alguns comandos simples, como “vem”, “fica”, “senta” e “deita”, poderá criar submissão no cão, ensinando-o que só será recompensado se adoptar atitudes submissas. O dono, “dominante”, deverá chamá-lo pelo nome e manter contacto visual (excepto em casos de cães com comportamentos agressivos).


A segunda componente chave, deste método, prende-se com situações em que o cão percepciona perigo ou ameaça. O exemplo mais comum é a chegada de visitas a casa. Quando o cão ladra e salta, quando tocam à campainha, está a responder a uma ameaça não identificada. Segundo Ian Fennel, o dono, como dominante, deverá “agradecer-lhe” e mostrar reconhecimento pelo seu importante papel na “matilha”. Depois, de acordo com a situação, poderá permitir que o cão venha à porta (pedindo às visitas para o ignorarem, como referido anteriormente para os reencontros), poderá preferir usar trela, ou pôr o cão noutra divisão.

A autora estabelece um paralelismo entre os passeios na rua e uma caçada da alcateia, sendo importante que o cão perceba correctamente o seu papel no grupo. O dono deve começar por habituá-lo à trela: poderá chamá-lo e pôr-lhe a coleira, recompensando-o com comida. Este é um momento fundamental, já que, para além de impedir fisicamente a fuga, a coleira é um objecto colocado numa zona corporal vital no contexto das relações de dominância/submissão (que inclui a cabeça, o pescoço e as espáduas). Recompensando com o fornecimento de comida (ex. um biscoito) pretende-se que o animal associe a imposição da coleira a um estímulo agradável. O dono deverá conseguir controlar a excitação natural do cão e, depois da aceitação da coleira e da trela, deve chamá-lo para junto dele (poderá reforçar novamente através do fornecimento de comida). Sempre que o cão tentar fugir (esticar a trela), a pessoa deve manter-se imóvel. Se o cão não se mantiver junto do dono, na rua, o passeio deve ser suspenso. Outro pormenor importante é o facto de, à saída de casa, o dono dever passar primeiro pela porta.

Seguindo a mesma linha de raciocínio, chegamos à quarta componente chave do método “Amichien Bonding”: as refeições. A ordem pela qual os membros de uma alcateia se alimentam é fortemente condicionada (e condiciona) as relações hierárquicas entre os seus membros. A técnica utilizada, neste contexto, pela autora, consiste em colocar uma bolacha (ou outro produto alimentar) por cada membro da família num prato. Este é posto ao lado do prato do cão. Certificando-se de que o cão está atento e sem falar ou olhar para ele, cada indivíduo tira a sua bolacha e come-a. O prato do cão só é colocado no chão (com o mínimo de “cerimónia” possível) quando todos os outros tiverem terminado. Seguidamente, deve deixar-se o cão a comer sozinho. Se se afastar da sua comida, não seguindo as regras, não deverá ter acesso ao alimento, até à próxima refeição.

Estas são orientações gerais, propostas por Ian Fennel, mas, tal como a autora refere, cada cão é um caso... a calma e a consistência do comportamento do dono são cruciais para o estabelecimento e manutenção de uma relação saudável com o seu cão !
 
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